Nesta edição temos o prazer de disponibilizar, na íntegra, um capítulo do livro Aleitamento Materno ainda a ser lançado pela Editora Atheneu a qual nos concedeu a oportunidade de levar aos leitores da NutriWeb, parte de uma obra fruto do trabalho de alguns dos pediatras mais reconhecidos e respeitados do Brasil como o Dr. José Dias Rêgo, autor do livro, e que também nos apoiou a publicarmos o presente capítulo, e o Dr. José Martins Filho, autor do capítulo (foto). O capítulo intitula-se:


Evolução do Aleitamento Materno no Brasil

Convidado pelo ilustre amigo, pediatra e neonatologista, Prof. Dias Rego, para escrever este capítulo sobre a evolução do aleitamento materno no Brasil, senti-me lisonjeado, mas temeroso, pois desde o primeiro momento identifiquei os riscos de não corresponder às expectativas, e mais do que isso,o temor de que , tentando reviver uma história da qual participei ativamente com todos os meus dias de professor e médico, pudesse me esquecer de datas, pessoas, enfim, cometer lacunas imperdoáveis...

Fiquei imaginando qual seria a melhor forma...a de um historiador preocupado tão somente com os fatos, fazendo "história" cientificamente ou de um escriba, contador de acontecimentos, como os sentiu e como os viu, colocando aqui e acolá sua visão particular... Por isso, os que me estiverem lendo neste capítulo, saibam que optei pelo relato da história vivida e sentida...e até de uma certa forma, cabe melhor em mim está maneira de falar da evolução da luta pelo aleitamento materno, porque foi dessa forma que a senti...desde os primeiros momentos, na fase, que eu chamo de retomada...os primórdios da luta em prol do aleitamento materno, na década de 70...

A maioria dos professores de pediatria brasileiros, os grandes nomes de nossa história científica, não deixaram de se preocupar com a lactação natural.Tenho receio de citar alguns, para não me esquecer de outros....mas, Martinho da Rocha, Torres Barbosa, Fernandes Figueira, Jacob Renato Woiski, Azarias de Carvalho, Pedro de Alcântara, em suas falas, conferencias e escritos, não deixaram de defender a lactação...mas , o que se sente, é que fora essas vozes isoladas , a defesa da lactação natural, na primeira metade deste século, era algo muito individual no Brasil, e principalmente depois da segunda guerra mundial, com a chegada em larga escala da industrialização e dos avanços na rede de frios e dos laticínios, a divulgação do aleitamento artificial, constituiu ocorrência rotineira em muitos documentos relacionados a alimentação infantil... Conhecia-se muito pouco nessa época, sobre imunologia, e o papel protetor do colostro, com seus constituintes imunológicos, era muito mais atribuída aos aspectos psicológicos e emocionais do que verdadeiramente de fato poderia estar acontecendo.

Por toda parte, a defesa da desnutrição infantil era muito mais enfatizada como uma luta em busca de nutrição adequada, entendo-se esta como a oferta adequada de calorias, proteínas, lípides e carbohidratos, não importando muito se a fonte era o leite humano , ou bovino.. Por toda parte, multiplicavam-se "as gotas de leite", locais onde as crianças mais desvalidas recebiam leite, de vaca, como complementação dietética.

Na década de 70 e já no final dos anos 60, alguns trabalhos internacionais e nacionais começam de fato a se preocupar um pouco mais com a qualidade de vida de crianças precocemente desmamadas.No Brasil, quase que simultaneamente, em vários estados, alguns pediatras iniciam a discussão sobre o papel protetor do aleitamento materno.

Eu pessoalmente, em 1973, estive na França, em Paris, mais especificamente no Centro Internacional da Infância, realizando o Curso, já então célebre, dirigido pela Profa. Natalie Masse, Diretora do Centro Internacional da Infância, situado no "Bois de Boulogne" e onde outros pediatras do terceiro mundo também estudaram, inclusive outros brasileiros , que aprendiam a então nascente disciplina de Pediatria Social...e foi lá em Paris, longe do Brasil, onde pela primeira vez, de maneira sistemática e didática pude aprender sobre a importância do aleitamento materno e seu papel na proteção e implementação da saúde infantil, particularmente no primeiro ano de vida... Em verdade, apesar de já estar, antes disso me dedicando à pediatria ,desde 1968, de ter me doutorado em 1972 , conhecia pouco sobre aleitamento materno e como muitos pediatras de minha geração, não dava a verdadeira importância ao aleitamento materno, nem sabia como incentivar, ajudar, promover e resolver a maioria dos problemas que as mulheres enfrentavam para amamentar...Foi lá, na França, que aprendi sobre a discussão que em todo o mundo se iniciava naquele momento, do papel danoso, causado pela introdução precoce de mamadeiras, do equívoco que era permitir a distribuição de amostras de latas de leite nos berçários e nos ambulatórios de pediatria, que naquela época se fazia sem nenhum cuidado...

A minha volta ao Brasil, final de 1973, inicio de 1974, encontrei nosso País, ainda não sensibilizado para a luta em prol do aleitamento materno... Os estudantes de medicina e os residentes de pediatria ainda não havia despertado para a realidade nutricional inadequada e antinatural.. Era muito comum, nessa época, que pediatras recebessem e solicitassem com avidez, amostras de latas de leite para seus próprios filhos, como se isso fosse algo muito importante... Médicos, enfermeiras, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, etc...enfim, toda a equipe de saúde, ainda não tinham se dado conta da necessidade de voltar a se preocupar com a lactação, com a fisiologia da produção do leite, com o estudo da anatomia mamária . Os pediatras ainda se preocupavam intensamente no período, com fórmulas, composições bioquímicas e concentrações calóricas, muito mais que com o ato de amamentar... Os obstetras e os cirurgiões plásticos ainda não se preocupavam com a mama como fundamental para a alimentação infantil.

Por incrível que possa parecer, aos que me lêem hoje, simplesmente, o problema não existia. Estávamos deixando de ser mamíferos e já estávamos quase nos transformando em "mamadeiríferos". Algo precisava ser feito. Não poderíamos continuar a ser "receitadores" de fórmulas substitutas do leite humano, simplesmente porque acreditávamos... e era essa a tônica dos comentários de então... que o mundo moderno, com a mulher cada vez mais intensamente voltada e dedicada para o trabalho fora do lar, não podia, nem tinha como amamentar... Aos primeiros sinais de dificuldades, imediatamente era receitada uma mamadeira... porque a preocupação era com a quantidade de calorias, com o ganho ponderal ( havia um padrão aceito, que visto hoje , era totalmente inexplicável.) e não com a qualidade do alimento ofertado, sem muita preocupação com as defesas imunológicas ,com os aspectos do vínculo mãe filho, etc... Aliás, em alguns textos, mais sensíveis aos aspectos emocionais, podíamos encontrar referências à necessidade de se dar a mamadeira sempre com o bebê ao colo, se possível da mãe....e da necessidade do carinho e da calma, etc, mas nada, absolutamente nada a respeito da diminuição da proteção imunológica... Quando muito, alguns textos se preocupavam com a possível alergia ao leite de vaca e a necessária substituição pelo leite de soja ou de cabra. Claro, porque poucos achavam ou acreditavam que era possível fazer uma relactação ou , coisa do outro mundo,quem acreditaria que seria possível ou necessário a utilização do leite de outra mulher...Interessante, que nesse período, uma prática comum no final do século anterior e comum nas primeiras décadas do século XX, o da ama de leite, também era pouco recomendado ou usado...como se fosse algo não muito "científico"ou moderno....

Por falar em ama de leite...vale a pena voltar ao passado e examinar essa questão do aleitamento materno e das suas relações com o desmame epidêmico que se observaria mais tarde, particularmente na segunda metade do século XX.. Era prática bastante disseminada nos séculos XVIII e XIX e mesmo nas primeiras décadas do século passado(XX), o uso das amas de leite... geralmente da "mãe preta"...

Era comum que as senhoras da elite da época usassem as amas de leite como substitutas ao seu leite, que nem sempre era oferecido aos filhos da classe mais abastada... Pode-se ver em vários jornais brasileiros do século passado, em que se ofereciam para alugar ou vender, negras, com filhos pequenos que poderiam ser compradas ou alugadas como escravas, para amamentar os bebês de seus proprietários....

Com a abolição da escravidão, ainda se viam muitas mulheres servindo de amas de leite e algumas delas até conseguiam ganhar suas vidas (na pobreza, é claro) com essa prática benéfica aos bebês... é no final do século XIX e no começo do século XX, mais particularmente com a Primeira Grande Guerra Mundial, que chegam ao Brasil e à América Latina, os primeiros leites industrializados...no princípio leites "evaporados"ou condensados, com alto teor de carbohidratos que eram inicialmente de procedência alemã e que se começava a usar na Europa.... Como o famoso leite "ideal"! Começam então a se ver as primeiras propagandas estimuladoras do desmame, da substituição do seio pelas fórmulas, no início timidamente, mas já insinuando que a modernidade iria abolir esse ato retrógrado e conservador de amamentar... Claro que a propaganda maciça a favor do aleitamento artificial começa para valer, principalmente no Brasil, bem mais tarde, particularmente a partir do final da segunda guerra mundial, com a chegada dos "leites em pó", no princípio ainda não muito fáceis de reconstituir, e sem modificações que os tornavam, como dizia a propaganda "maternizados"....aos poucos, foram chegando os altamente solúveis, os modificados, os adaptados, sempre, sempre, tentando chegar o mais perto possível do padrão inquestionável....o leite humano...

Voltemos às minhas lembranças pessoais e de como entrei nesta luta...Voltei de meu estágio na Europa, França e Espanha. Lá, particularmente na França, já senti de perto a importância que se dava ao aleitamento materno, particularmente nas comunidades carentes...

Iniciamos, como outros pediatras, alguns trabalhos sobre Aleitamento materno... Começamos a participar de Simpósios e reuniões em que pouco se falava do assunto, mas logo após ter realizado minha tese de livre docência na Unicamp, que intitulei. "Contribuição ao estudo do aleitamento na região de Campinas", no ano de 1976, fui convidado para participar de uma viajem com vários outros colegas da Sociedade Brasileira de Pediatria, pelo querido e saudoso Prof. Nicola Albano, então Presidente da SBP. Foi naquela viajem, em que eu falei sobre aleitamento materno em algumas das mais importantes cidades nordestina (Recife, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Campo Grande,etc..) que fui convidado pelo Presidente, Prof. Nicola Albano, a criar e a ser o primeiro Presidente do Comitê Nacional de Estímulo ao Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria. Esse Comitê, inicial, já contava com vários colegas em vários estados brasileiros, interessados no assunto lactação natural...Entre outros pediatras que participaram desse primeiro comitê, encontrava-se o Dr. José Dias Rego, que depois, foi o segundo presidente do mesmo, e que sem dúvida se transformou num baluarte em defesa do aleitamento materno no Brasil..O comitê, a princípio, se encarregava de divulgar, mandar correspondências, realizar reuniões, discutir temas...aos poucos, foram aparecendo também os comitês estaduais, nas várias regionais e o trabalho foi se ampliando e aumentando progressivamente... Hoje, os comitês estaduais e o Nacional de aleitamento materno, agora chamado Departamentos, constituem uma das trincheiras mais importantes na defesa do direito de amamentar no Brasil.

Na nossa opinião, salvo melhor juízo, a retomada da luta pelo aleitamento materno no Brasil se inicia com esse fato auspicioso... A criação pela Sociedade Brasileira de Pediatria, por volta de 1976/1977 do Comitê Nacional de Aleitamento Materno. Um órgão de classe, dos pediatras brasileiros, chamava para si uma tarefa, que até aquele momento, a própria Universidade, a Academia ainda não achava que era importante...repito..apesar das pesquisas e dos trabalhos, aqui e acolá, ainda não se via no Brasil, nenhum projeto que tentasse reverter a situação, ou seja o progressivo, continuo , alarmante e epidêmico desmame que nas várias análises feitas (na época ainda muito incipientes e carentes de uma metodologia mais adequada) mostrava-se inexorável... Nesse sentido, vale a pena registrar, que é nesse ano de 1977 e nos seguintes, 78 e 79, que alguns projetos começam a surgir em algumas partes do Brasil, como o Programa que se fez na Região de Campinas, realizado pela secretaria Municipal (Diretoria Municipal de Saúde) de Paulínia, uma pequena cidade, onde estava instalada uma Refinaria muito importante, por todas conhecidas. Foi nessa localidade em que tivemos a oportunidade de treinar, pela primeira vez, no meu caso, todos os projetos que começávamos a idealizar e que falávamos e apresentávamos nos vários congressos dos quais participávamos por todo o Brasil...Foi lá que vimos a modificação das grades curriculares dos ensinos de alunos do pré primário, primário, secundário, com a realização de palestras, para professores, alunos..com os primeiros concursos de fotografia, de redação, de desenhos, de bonecos de plastilina ou de barro, sobre o tema amamentação....foi lá também, que lutamos pelas primeiras implantações de creches e despertamos para a necessidade de criação de condições para as mães que trabalhavam , amamentar...Lembro-me até hoje, que nesse período, no Departamento de Pediatria da Unicamp, que dirigíamos a época, começamos a colocar em todas as propagandas (cartas, ofícios, etc..) os dísticos a favor da amamentação, como por exemplo..."Ajude um pouco mais seu filho..amamente-o"....Digo isto com detalhes, porque me recordo , inclusive das primeiras resistências ao programa, algumas com conteúdo ideológico político.... e outras inclusive de alguns grupos feministas, que a princípio, achavam que nossa luta em prol do aleitamento materno era mais um discurso "machista" culpando as mulheres pela doença e mortes das crianças, quando deveríamos (sic) incriminar a ditadura que assolava o País... Lembro-me como em algumas ocasiões, tivemos que mostrar que independente da melhoria sanitária, da melhor nutrição de mulheres e crianças, de melhores empregos, etc.,,, mesmo assim era fundamental que a amamentação se realizasse...Nem sempre tínhamos êxito e só conseguimos realmente atravessar essa fase difícil, um pouco mais tarde, principalmente quando mães, com coragem , e com muita garra , se organizaram e conseguiram ir a luta, como o Grupo de mães que se auto denominaram "Amigas do Peito".

Essa era uma época, final da década de Setenta, que muitas outras áreas da pediatria e especialmente da neonatologia iriam se desenvolver e se modificar em todo o Brasil.
Nos berçários vivíamos a época dos isolamentos, das proibições das visitas, dos isolamentos para prematuros, do inicio do desenvolvimento das UTIS neonatais...ninguém falava em alojamento conjunto, em parto natural(começávamos a despertar para a luta contra as cesáreas)... Amamentação precoce, ninguém imaginava, e sempre se tinha a impressão que o pediatra se não atrapalhava, devia apenas se preocupar com a "receptação do Recém nascido, com as entubações, com os cateterismos umbilicais de emergência, com os soros glicosados. Sem dúvida alguma ,começávamos a nos preocupar com as dificuldades respiratórias, com as membranas hialinas, com as altas tensões de oxigênio nas incubadoras, mas evidentemente, por todo o Brasil, salvo raras exceções, as condições físicas de atendimento eram precárias... poucos eram os berçários com equipamentos , para a época adequados.. estávamos na pré-era dos atendimentos mais organizados para grandes prematuros e crianças de alto risco.. Tínhamos grande preocupação com as infecções, e obviamente existia o berçário de isolamento, e claro , os pais tinham que se paramentar e se cuidar, colocando máscaras, gorros, botas, etc.. para ir ver seu filho no berçário... aliás, uma prática lamentável nessa época, era a "observação" dos bebês obrigatóriamente por 12 horas no berçário e a introdução da alimentação , só depois de ter certeza de que não haveria uma má formação ou coisa semelhante... e no caso dos prematuros....as vezes 24 horas! Como previníamos a hipoglicemia neonatal? Dando mamadeiras ( "chucas") com água e glicose a 5% ou 10%, já depois da primeira hora.....e claro, quando , depois disso tudo , o bebê era levado para as mães nos quartos... ninguém estava treinado e preparado para orientar essas mulheres sobre o aleitamento, a técnica de pega adequada, a prevenção das fissuras...etc...além disso,não tínhamos banco de leite, sala de amamentação, mas tínhamos os lactários, onde centenas de mamadeiras eram preparadas para praticamente todos os bebês... e muitas vezes, preocupados com o não ganho de peso adequado, já se começava a complementação dentro do próprio berçário ou se entregava `a mãe, um cartão em que se dizia que se o leite não fosse suficiente ou se o bebê chorasse ou apresentasse sinais de fome...talvez poder-se-ia complementar com "tal" leite , preparado da seguinte maneira.... e lá ia a fórmula Láctea prescrita para o bebê , e para uma mãe muitas vezes ansiosa e muito preocupada com a "fome "do seu bebê, principalmente se preocupados com o peso, alguém já tivesse sugerido uma prática que naquela época era muito comum..pesar antes e após as mamadas para verificar se a criança estava ganhando ou perdendo peso..vejam vocês como era quase impossível amamentar naquelas épocas... e o pior, é que no começo daqueles tempos, quando se descobriu a maravilha do aleitamento materno, muita gente ainda imaginava que a culpa era da mãe por não amamentar... Estou cada vez mais convencido, depois destes trinta e poucos anos de luta em defesa do direito de amamentar, que se alguém não é ou não era culpado pela não amamentação, essa pessoa era a mãe..Era o sistema que desmamava, que impedia um bom inicio de lactação.Eram os profissionais de saúde que, infelizmente conheciam muito pouco de amamentação e que praticamente não conseguiam de forma adequada ajudar as jovens mães a lactar... Eram tempos difíceis de muita improvisação nos projetos.. Não existia alojamento conjunto, inicio de amamentação precoce, logo após o parto, luta por partos não operatórios, não introdução de mamadeiras com água e açúcar nos berçários. Faltavam bancos de leite (falaremos um pouco mais detalhadamente dos mesmos. logo adiante), salas de amamentação, pessoal treinado para ajudar as mães nas dificuldades, e o mais importante, inadvertidamente, o vínculo mãe/bebê era muito dificultado, retardando-se exageradamente o contacto, impedindo-se a entrada do casal no berçário. Dificultando-se a ida da criança ao quarto e muitas maternidades, não possuíam alojamento conjunto, alegando que isso favorecia a infecção!

É nesse momento que a Sociedade Brasileira de Pediatria, um Órgão de classe, dos pediatras brasileiros começa a lutar e a divulgar conhecimentos sobre aleitamento materno em todo o Brasil, chamando para si, uma atitude que até então se esperaria das Entidades de Governo, mas que infelizmente até então não havia acontecido. Aos poucos, com a constante divulgação de palestras, conferências , e com a realização de encontros, a princípio com a participação de pediatras , que inúmeros outros profissionais começam a se reunir aos médicos para lutar em defesa da lactação natura. Começam a aparecer muitos trabalhos escritos por enfermeiros, nutricionistas, psicólogos,etc, todos colaborando e dando importante contribuição ao desenvolvimento destas atividades.... Até essa época, final da década de 70, aos poucos, o governo começava a participar, principalmente depois de uma primeira reunião ocorrida em Brasília, por volta de 1979, patrocinada pela OPAS e com participação do UNICEF, em que profissionais de toda a América Latina vieram discutir as questões do aleitamento materno. Por essa época, o INAN ( Instituto Nacional de Nutrição) Órgão do Ministério da Saúde, começa a se interessar pelo assunto, convida alguns profissionais e cria o GTENIAM (Grupo técnico Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno), eu sou convidado a participar como assessor científico desse grupo, e uma série de profissionais , como nutricionistas, psicólogos, obstetras, integram uma ação conjunta, que associada à Sociedade Brasileira de Pediatria começa a chamar para si as ações de Estimulo ao Aleitamento Materno.. Junta-se ao INAN, além da Sociedade Brasileira de Pediatria, a FEBRASGO (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia), a LBA (Legião Brasileira de Assistência), além de várias pessoas de outros ministérios, como o MEC(Ministério da Educação e Cultura,etc..)

Esse trabalho, pioneiro, durou alguns anos e tinha ações em vários estados brasileiros, mas ainda não tinha o cunho abrangente e político que passou a ter, mais tarde, principalmente a partir de 1982, quando, definitivamente é criado o PROGRAMA NACIONAL DE ALEITAMENTO MATERNO, que já é bem mais conhecido e que desenvolveu centenas de ações que, mais recentemente, todos conhecem e louvam, inclusive com as avaliações de incidência, a normatização, a criação das normas sobre Alojamento Conjunto, Bancos de Leite Humano, Parto natural, etc..

Vista neste "vôo de pássaro",a evolução do aleitamento materno no Brasil, deve ser sentida, não como um projeto organizado, institucional, de decisão de governo, especificamente, mas muito mais como um movimento amplo, que albergou todos os tipos de pessoas e de sentimentos, principalmente, com o sentido de busca a um direito fundamental de maternidade, numa sociedade cada vez mais materializada e complexa, em que todos os atos, até mesmo o de parir, dar a luz, e o de amamentar uma criança estava se tornando cada vez mais mecanicista e controlada... Na nossa visão, em que pese toda a organização posterior que o movimento acabou adquirindo, e mesmo toda a sua complexidade, que vemos hoje, com um imenso número de trabalhos científicos publicados sobre aleitamento materno em nosso País, de teses de mestrado , doutorado , livre docência, etc...seria impossível imaginar que isto teria acontecido, se encarássemos o movimento pró aleitamento materno em nosso País, como uma simples decisão de saúde pública e uma seqüência de ensinamentos e/ou normas que deveriam ser estabelecidas para lograr um resultado final , em saúde pública. A maneira como os projetos de estímulo ao aleitamento materno evoluiram, com dezenas de sub produtos sociais aderidos ao movimento , nos parece como algo muito importante que aconteceu na pediatria e na obstetrícia brasileiras( embora esta última não se tenha dado conta, até hoje desse movimento). A participação da Sociedade Organizada e de parcelas importantíssimas delas, com pessoas de destaque( artistas, desportistas, cientistas , políticos), o envolvimento de ONGS, de pessoas simples do povo, bem como de Entidades Religiosas, mostra bem o grau de sensibilização que a discussão sobre o aleitamento materno desencadeou na Sociedade Brasileira dos anos 80 e dos anos 90.

O Programa Nacional de Aleitamento Materno acabou se transformando numa luta que envolveu muitos atores, como descrevi, mas o maior destaque começou a acontecer quando a divulgação dos programas e dos projetos que aqui se desencadeavam, que incluíram facetas nunca imaginadas ou tentadas em outros países... como treinamento de pessoal de saúde (auxiliares de enfermagem, atendentes, enfermeiros, pediatras, obstetras) formação de professores de todos os níveis, inclusão de conhecimentos específicos nas grades curriculares dos ensinos de Universidades que formavam profissionais de saúde, mas, além disso, nas grades curriculares de ensino primário, secundário, terciário, e mais do que tudo isso, as conseqüências paralelas dessas lutas....

As pesquisas sobre relactação e lactação adotiva, o desenvolvimento dos sistemas de Banco de Leite , que , aos poucos foi se transformando num dos mais importantes da América Latina, graças, principalmente ao esforço de um Engenheiro de alimentos, que se juntou ao Grupo do Programa Nacional do Aleitamento Materno, desde o seu princípio, e que estabeleceu e normatizou o funcionamento da coleta, conserva e distribuição ,criando posteriormente um amplo grupo nacional. Estou falando do Dr. João Aprígio, do Banco de Leite do Hospital Fernandes Figueira, da Fio Cruz.

Nos anos 80, o Programa se notabilizou internacionalmente, principalmente com a visita de uma das maiores autoridades mundiais em nutrição infantil e em aleitamento materno na época, o já falecido Prof. Derrick Jelliffe e de sua esposa, a Profa. Patrice Jellife, que depois de percorrer o Brasil e saber o que se estava fazendo, concederam várias entrevistas a Imprensa, dizendo que o Programa Brasileiro de Incentivo ao Aleitamento Materno era um dos mais importantes do Mundo.Tudo isso, obviamente era muitas vezes contestado e algumas pessoas, achavam , como até hoje infelizmente, que amamentar era apenas uma questão de opção da mãe!

Mas coisas importantes também se constituíram em notáveis sub produtos do Projeto Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno, tais como, a modificação na Constituição Brasileira de 1988, do tempo de licença gestante, que foi aumentado de 3 para 4 meses , além da prorrogação por mais 15 dias em caso de enfermidade da mãe ou da criança... Essa foi uma vitória bastante apoiada no então Grupo de Incentivo ao Aleitamento Materno...Além disso, uma série de outras decisões posteriores, principalmente com o apoio definitivo do Unicef, foram sendo implantadas, tais como a criação do Prêmio Hospital Amigo da Criança, os dez passos para estabelecimento da lactação, e a luta pelo alojamento conjunto, pelo parto natural, pela introdução precoce da amamentação já na própria sala de parto entre outros.

Hoje, olhando estes últimos 30 anos, posso me lembrar de muitas pessoas, que participaram efetivamente desta luta. Talvez, quando avaliamos o tempo médio de amamentação exclusiva ao peito que em algumas capitais brasileiras ainda é baixo, sentimos que ainda temos muito a lutar e a ajudar, mas seguramente o que mais nos deixa felizes, é lembrar que se não fossem estas décadas de trabalho intenso, de tantas pessoas, seguramente não teríamos um País como o nosso em que praticamente todos os profissionais de saúde e a imensa maioria de mulheres sabe das vantagens do aleitamento natural.. Talvez, nos últimos 50 anos de história da medicina, bem poucas vezes, uma sociedade inteira, com todos os seus segmentos e apoiada pelos seus profissionais de saúde, lutou de forma tão sistemática e objetiva para lograr modificar um hábito cultural e profundamente humano que estava desaparecendo por uma série de variáveis conjunturais, principalmente sócio econômicas...a amamentação ao seio.

Sinto-me profundamente realizado porque ao lado de centenas de companheiros das mais variadas profissões, e apoiados por pessoas do povo e, principalmente, pelas mulheres deste nosso País, estamos levando uma batalha complexa e fundamental para lograrmos modificar uma tendência que muitas pessoas julgavam ser inexorável.

"Valeu a pena. Precisamos continuar lutando e mantendo, constantemente informados, apoiados e ajudados, todos os interessados nesta luta. Sabemos que, se pararmos por poucos momentos de discutir, mostrar, publicar, incentivar, as outras variáveis começam a se fazer sentir. Estamos ainda em luta... ela, na minha opinião, deve continuar ininterruptamente".

Prof. Dr. JOSÉ MARTINS FILHO
Titular de Pediatria da FCM da Unicamp/Pesquisador do CIPED(Centro de Investigação em Pediatria da Unicamp); Ex-Diretor da Faculdade de Medicina (1988/1990) e Ex-Reitor da Unicamp(1994/1998)
Primeiro Presidente do Comitê Nacional de aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria(1976/1984)Diretor do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Cruzeiro do Sul/SP

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